Há dias atrás publiquei aqui um texto da advogada Taiana Alves Monteiro que versa sobre a ADPF nº 54, em trâmite no Supremo Tribunal Federal desde 2004. A ADPF discute a possibilidade ou não da interrupção da gestação quando restar comprovado que o feto sofre de anencefalia, deformidade que inviabiliza sua sobrevida.
Apesar de a referida ação ainda não ter tido um julgamento, os tribunais de todo o país têm se manifestado sobre o tema em casos concretos, uma vez que os órgãos jurisdicionais gozam de independência entre si.
Assim, tem-se verificado uma forte tendência dos tribunais a concederem autorização às gestantes para realizarem a interrupção da gestação nestes casos.
O site Migalhas, publicou casos que foram julgados por alguns tribunais brasileiros e que demonstram esta tendência.
Transcrevo abaixo os dados publicados pelo site:
Goiás
Recentemente, ao autorizar a interrupação da gravidez de feto anencéfalo, o juiz Jesseir Coelho de Alcântara afirmou que "A interrupção da gestação encontra fundamento quando o feto possuir malformação congênita, degeneração ou houver possibilidade de nascer com enfermidade incurável" (clique aqui).
Em outro caso, o juiz Antônio Fernandes de Oliveira, despachando na 2ª vara Criminal de Goiânia, disse, também em sentença que autorizou a interrupção de gravidez, que o "aborto é considerado um problema social, que deve ser objeto de políticas públicas, já que os procedimentos realizados de forma clandestina causam de 10% a 15% de todas as mortes maternas no País" (clique aqui).
"Quanto ao aborto, o bem jurídico tutelado é a vida. Mas, para que esta possa ser protegida, é imperiosa sua existência, ou ao menos sua potencialidade de existência, o que não se vê presente diante do feto portador de anencefalia", declarou a juíza substituta Jordana Brandão Alvarenga Pinheiro Lima, da 1° vara Criminal de Goiânia, ao autorizar a interrupção de gravidez no 5º mês de gestação, quando o exame constatou que o feto era anencéfalo (clique aqui).
Em 2005, o tema já estava na pauta de Migalhas e do judiciário goiano. Na época, a juíza Zilmene Gomide da Silva Manzolli, da 2ª vara criminal da comarca de Goiânia/GO, concedeu autorização judicial para que uma mãe interrompesse sua gestação por inviabilidade fetal (clique aqui).
Minas Gerais
Em decisão de 2008, a 11ª câmara Cível do TJ/MG autorizou a interrupção de gravidez de uma professora de Betim, pelo fato de haver constatação médica de que o feto não tinha chances de vida após o parto. O desembargador Afrânio Vilela disse que "qualquer que seja a convicção religiosa ou doutrinária, não se encontra justificativa para imposição à mãe de estender relação que será certamente ceifada de forma cruel e dramática no ato do nascimento do bebê, ou apenas retardada por poucas horas, em uma verdadeira via crucis, cuja cruz será por demais pesada". Ainda segundo o desembargador, "deve aplicar-se, no mínimo, o princípio religioso superior que é a caridade defendida pelas religiões e doutrinas cristãs" (clique aqui).
Rio Grande do Sul
O desembargador Newton Brasil de Leão, da 3ª câmara Criminal do TJ/RS, decidiu, em 24/8/09, autorizar a interrupção de gravidez de feto com aproximadamente 23 semanas. Concedeu o pedido diante do diagnóstico de estar ausente "o tubo neural, configurando anomalia denominada anencefalia, quadro que, reconhecidamente, retira dele toda e qualquer possibilidade de manter-se vivo, na fase pós-uterina".
Para o relator, "trata-se de matéria conhecida da Câmara, que, na maioria das vezes em que instada a decidir a respeito, o fez no sentido de deferir as postulações" (clique aqui).
Em outra matéria, de 2008, a 3ª câmara Criminal autorizou a interrupção de gravidez por solicitação da gestante, concordância do pai e indicação médica.
Para o relator do recurso, desembargador José Antonio Hirt Preiss, há uma enorme lacuna no texto do art. 128 do CP. Concluindo tratar-se de causa de exclusão da culpabilidade e não de tipo penal criminalizador – "o que seria inadmissível em Direito Penal" -, entende que a lacuna pode ser suprida pela analogia ou justificada "pela inexigibilidade de conduta diversa no pleito da gestante" (clique aqui).
Em 2005, a 1ª câmara Criminal do TJ/RS autorizou uma mãe e seu marido, e os médicos que os acompanhavam, a decidirem sobre a interrupção da gravidez de feto com anencefalia.
Para o Desembargador Marcel Esquivel Hoppe, "ante a constatação científica de que o anencéfalo é um morto cerebral não se poderia exigir outra conduta da mulher que por vontade própria pretende antecipar o parto submetendo-se à cirurgia terapêutica e não a um aborto dentro da conceituação penal" (clique aqui).
A meu ver, a despeito de qualquer opinião religiosa, entendo serem acertados os julgados acima citados. Não se pode fechar os olhos para uma realidade que infelizmente existe. Assim como nos casos em que a legislação já permite o aborto (quais sejam os casos de estupro e quando há risco de vida para a gestante), entendo ser plenamento possível a interrupção do parto nos casos em que seja comprovada a anencefalia, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Um comentário:
Olá, Drª Taizi!
Seu blog está cada dia mais interessante! Parabéns de novo! Já tivemos a oportunidade de discutir esse assunto e me recordo que chegamos à mesma opinião, não é mesmo? Apesar de a lei permitir o aborto no caso de estupro e quando a gestação trouxer risco de vida à mãe, entendo que a única hipótese em que realmente seria justificável o aborto seria justamente no caso de feto de anencéfalo. No entanto, o STF até agora não decidiu o caso. Espero que o entendimento seja condizente com o que vêm decidindo os tribunais em todo o país! Até mesmo por uma questão de humanidade, não é mesmo!
Grande abraço, moça! Sucesso sempre!
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