Boas Vindas!


Caros colegas,

sempre acreditei que uma sociedade bem informada e esclarecida acerca de seus direitos e deveres se tornaria imune a corrupções e "bandalheiras". Infelizmente, vivemos em um país lindo, porém cheio de adversidades dentre as quais a ignorânica é a que considero pior. Quando digo ignorância, me refiro à falta de conhecimento, de informação, elementos sem os quais nos tornamos vulneráveis. Por este motivo, resolvi criar este blog para compartilhar um pouco dos conhecimentos que venho adquirindo ao longo dos meus estudos e do meu trabalho como advogada. Sei que minha jornada será grande e que está apenas no início, por isso estarei aberta a novos conhecimentos também. Que este espaço seja utilizado para a troca de experiências e informações, visando o crescimento comum.
Como nem todos os textos são escritos por mim, gostaria de lembrar que o conteúdo é de responsabilidade dos respectivos autores e nem sempre representará minha opinião sobre o assunto.

Grande abraço a todos e sejam bem-vindos!


domingo, 30 de agosto de 2009

Reforma do Código de Processo Civil - 2009


Como se sabe o Código de Processo Civil brasileiro (Lei 5.859) foi promulgado em 1973 e tem sofrido inúmeras reformas. As primeiras grandes alterações se deram em 1994 através da Lei 8.952, que dispunha sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. A partir de então, diante da constante necessidade de atualização do código para se adaptar às transformações sociais e técnicas, várias leis surgiram, trazendo alterações ao CPC.
A mais recente alteração se deu através das Leis 11.965, de 03 de julho de 2009; a 11.969, de 06 de julho de 2009; e a 12.008, de 29 de julho de 2009.
A primeira delas, Lei 11.965/09, altera os artigos 982 e 1.124-A do CPC e dispõe sobre a atuação da Defensoria Pública no que concerne à lavratura de escritura pública de separação e divórcio, bem como de partilha e de inventário judicial e extrajudicial.
O texto anterior dos referidos artigos não previa a atuação de defensor público, mas tão somente de advogados.
Já a Lei 11.969/09, alterou o artigo 40 do CPC e dispõe sobre a retirada de processos do cartório para obtenção de cópias nas hipóteses em que o prazo seja comum aos procuradores.
A Lei 12.008/09, por sua vez, alterou os artigos 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C do CPC e regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal.
A intenção desta lei foi reduzir a idade antes prevista para a concessão de prioridade na tramitação dos processos judiciais e administrativos, de 65 anos para 60, bem como de estender o benefício para os portadores de doença grave.
Os parágrafos 2º e 3º do artigo 1.211-B foram vetados, pois houve o entendimento de que “a fixação de prazo para o julgamento dos recursos que tramitam em regime de prioridade é ineficiente para assegurar a celeridade almejada, haja vista que inúmeros fatores, muitas vezes de ordem material e operacional, são causas da morosidade da tramitação processual e não podem ser superadas pelo simples estabelecimento de prazo máximo para julgamento”. (Razões de veto)
Eis, portanto, as mais recentes alterações ao Código de Processo Civil Brasileiro.

Íntegra das leis

Lei 11.965, de 03 de julho de 2009
Dá nova redação aos arts. 982 e 1.124-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a participação do defensor público na lavratura da escritura pública de inventário e de partilha, de separação consensual e de divórcio consensual.

Art. 2º Os arts. 982 e 1.124-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 982. ...............................................................................

§ 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

§ 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.” (NR)

“Art. 1.124-A. .......................................................................

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
.............................................................................” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 3 de julho de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro

Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.7.2009

Lei 11.969, de 06 de julho de 2009
Altera a redação do § 2o do art. 40 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.

O VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Esta Lei disciplina a retirada dos autos do cartório ou secretaria pelos procuradores para a obtenção de cópias na hipótese de prazo comum às partes.

Art. 2o O § 2o do art. 40 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 40. ........................................................................................

§ 2o Sendo comum às partes o prazo, só em conjunto ou mediante prévio ajuste por petição nos autos, poderão os seus procuradores retirar os autos, ressalvada a obtenção de cópias para a qual cada procurador poderá retirá-los pelo prazo de 1 (uma) hora independentemente de ajuste.” (NR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de julho de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

Este texto não substitui o publicado no DOU de 7.7.2009

Lei 12.008, de 29 de julho de 2009
Altera os arts. 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, e acrescenta o art. 69-A à Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, a fim de estender a prioridade na tramitação de procedimentos judiciais e administrativos às pessoas que especifica.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o O art. 1.211-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as instâncias.

Parágrafo único. (VETADO)” (NR)

Art. 2o O art. 1.211-B da Lei no 5.869, de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.211-B. A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas.

§ 1o Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária.

§ 2o (VETADO)

§ 3o (VETADO)” (NR)

Art. 3o O art. 1.211-C da Lei no 5.869, de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.211-C. Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, em união estável.” (NR)

Art. 4o A Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 69-A:

“Art. 69-A. Terão prioridade na tramitação, em qualquer órgão ou instância, os procedimentos administrativos em que figure como parte ou interessado:

I - pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos;

II - pessoa portadora de deficiência, física ou mental;

III – (VETADO)

IV - pessoa portadora de tuberculose ativa, esclerose múltipla, neoplasia maligna, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, ou outra doença grave, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do processo.

§ 1o A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade administrativa competente, que determinará as providências a serem cumpridas.

§ 2o Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária.

§ 3o (VETADO)

§ 4o (VETADO)

Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 29 de julho de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Guido Mantega
Carlos Lupi
José Gomes Temporão
José Pimentel
José Antonio Dias Toffoli

Este texto não substitui o publicado no DOU de 30.7.2009

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Recente reforma no Código Penal revoga o crime de atentado violento ao pudor

Caros colegas, nas minhas pesquisas na internet achei outro blog jurídico muito bom, criado pelo Drº Marcelo Bertasso, Juiz de Direito no Paraná e obtive autorização dele para publicar aqui um artigo excelente sobre a revogação do crime de atentado violento ao pudor. Aproveitem!


A revogação do crime de atentado violento ao pudor e seus reflexos no concurso com o crime de estupro – inexistência de crime único

Não exista nada tão ruim que não possa ser piorado.
Essa máxima se aplica sempre com muita força ao Direito, em especial às atividades legislativa e interpretativa.
Recentemente, escrevi aqui sobre os reflexos trazidos pela alteração promovida pela Lei nº 12.015/2009 que, alterando profundamente a estrutura do crime de estupro, nela inseriu também a conduta do atentado violento ao pudor. Mencionei no post que, a partir da alteração, é possível reconhecer a continuidade delitiva entre estupro e atentado violeto ao pudor, porque ambos, agora, constituem um único crime, não havendo falar em diversidade de espécies – fato que antes obstava a aplicação da regra do art. 71 do Código Penal.
Alguns leitores do blog me enviaram comentários e suscitaram uma questão muito interessante: ao fundir as duas condutas em um só crime, a Lei nº 12.015/2009 não teria transformado o crime de estupro em tipo penal de ação múltipla ou conteúdo variável? Se sim, as condutas daquele que, no mesmo contexto, constrange a vítima a manter com ele conjunção carnal e, logo depois, outro ato libidinoso, não constituiriam crime único?
A tese é interessante e, confesso, passou-me despercebida.
Crimes de ação múltipla ou conteúdo variável são aqueles em relação aos quais a lei prevê mais de uma forma de cometimento. Exemplo clássico é o crime de tráfico de entorpecentes, que pode ser cometido de diferentes maneiras, seja armazenando, tendo em depósito ou transportando o entorpecente (ou cometendo outra das diversas condutas previstas no art. 33 da Lei nº 11.343/2006).
A se considerar que o novo delito do art. 213 do Código Penal é crime de ação múltipla, ter-se-ia a conclusão de que na situação retratada haveria crime único, uma vez que há sólido entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que, em delitos da espécie, basta que o agente pratique uma das condutas descritas no tipo penal para consumar o delito, sendo que a prática, no mesmo contexto, de outras condutas previstas no mesmo tipo não configura concurso de delitos, sendo hipótese de crime único. Para ilustrar, colaciono dois julgados do STJ – ambos referentes ao crime de tráfico de entorpecente – nesse sentido:

CRIMINAL. HC. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. FALSA IDENTIDADE. AUSÊNCIA DE PROVAS DA INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO.DILAÇÃO PROBATÓRIA E REEXAME DO MATERIAL FÁTICO-PROBATÓRIO.IMPROPRIEDADE DO WRIT. CONFIGURAÇÃO DO CRIME. TIPO DE AÇÃO MÚLTIPLA DE CONTEÚDO VARIADO. DOLO DE TER EM DEPÓSITO SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. DELITO ÚNICO. DEMAIS ARGUMENTOS SUPERADOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA E, NESTA EXTENSÃO, CONCEDIDA.I. Hipótese em que o paciente sustenta ter sido condenado pelo crime de tráfico internacional de drogas sem que houvesse provas da internacionalidade da sua conduta, asseverando, ainda, se tratar de crime único, não de concurso material de delitos, já que o entorpecente, embora dividido em três partes, foi apreendido no mesmo dia.II. Maiores incursões acerca do tema demandaria a reavaliação do conjunto probatório que levou à condenação do réu pelo crime de tráfico internacional de entorpecentes, a fim de tentar provar a veracidade de suas alegações.III. O delito de tráfico de entorpecentes compreende dezoito ações identificadas pelos diversos núcleos do tipo, sendo certo que o crime se consuma com a prática de qualquer das ações, por se tratar de delito de ação múltipla, no qual são admitidas várias condutas para sua consumação.IV. Tendo parte da cocaína sido apreendida no interior de caminhão, quando estava sendo transportada pelo membros da quadrilha, restaria evidenciada, em princípio, a prática do núcleo do art. 12 da Lei nº 6.368/76, sob a forma de transportar, não podendo ser considerada a ocorrência de outro delito, consubstanciado no núcleo do tipo “ter depósito” substância entorpecente, em concurso material.V. Não se pode admitir a ocorrência de três delitos diversos, quando o art. 12 da Lei 6.368/76 é malferido pela prática de apenas um núcleo do tipo, mesmo que tal conduta tenha sido caracterizada pelo depósito da mercadoria, na mesma ocasião, em três locais diferentes.VI. Deve ser reformado o acórdão recorrido e a sentença condenatória, no tocante à dosimetria da pena, a fim de que seja reconhecida a prática pelo réu de apenas um delito de tráfico de entorpecentes, devendo ser procedida nova e motivada fixação da pena, mantida a sua condenação, prejudicados os demais argumentos aventados em favor do paciente, relativos à dosimetria da pena.VIII. Ordem parcialmente conhecida, e nesta extensão, concedida, nos termos do voto do Relator.(HC 70.217/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 15/02/2007, DJ 19/03/2007 p. 379)

HABEAS CORPUS – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA – DUAS CONDENAÇÕES PELA PRÁTICA DO MESMO CRIME – BIS IN IDEM – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.- O agente que pratica mais de uma das modalidades do tipo penal insculpido no art. 12, da Lei 6.368/76, comete apenas uma violação legal. Assim, a instauração de duas ações penais, em juízos diferentes pela prática de um só crime, o do art. 12, da Lei 6.368/76, de ação múltipla, ensejando a condenação em ambos, configura bis in idem.- Ordem concedida para anular a Ação Penal n.º 654/00, proposta perante o juízo da 2ª Vara Criminal da comarca de Franca/SP, mantendo-se, entretanto, a condenação relativa à Ação Penal n.º 633/00, intentada perante o juízo da 1ª Vara Criminal da mesma comarca.(HC 28313/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2004, DJ 02/08/2004 p. 440)

Embora a tese, do ponto de vista jurídico, seja sustentável, entendo que ela gera um incontornável problema lógico e mesmo moral. Isso porque, a prosperar esse entendimento, tem-se a situação prática de que o agente, após constranger a vítima a com ele praticar conjunção carnal, pode, no mesmo contexto, constrangê-la a praticar outro ato libidinoso sem ser punido por isso – e o contrário também valeria, ou seja, infringir a norma inicialmente constrangendo a vítima a manter ato libidinoso e podendo, depois, constranger a conjunção carnal. É dizer, após praticar um dos atos criminosos, o autor do fato teria portas abertas para cometer a outra figura típica sem ser punido por ela.
Juridicamente, penso que a situação pode ser bem resolvida, rechaçando-se a tese do “delito único”. É que os crimes de ação múltipla ou conteúdo variável são aqueles aos quais a lei prevê mais de um “núcleo do tipo”, ou seja, estabelece mais de um verbo escrevendo a conduta criminosa (casos do tráfico de entorpecentes e da receptação, por exemplo).
Ocorre que o tipo penal do art. 213 do Código Penal prevê apenas um “núcleo do tipo”, a saber, o verbo “constranger”. O que varia é o complemento verbal, que pode ser duplo – a manter conjunção carnal ou a realizar outro ato libidinoso. Pode-se sustentar, porém, que o complemento verbal não integra o núcleo do tipo, de modo que a conduta configuradora do delito é apenas uma e não variável.
Segundo essa interpretação, portanto, se o agente constrange a vítima a com ele manter conjunção carnal e depois a constrange a praticar outro ato libidinoso – mesma vítima e mesmo contexto fático -, comete dois estupros em continuidade.
Trata-se de situação semelhante, por exemplo, à da extorsão e do constrangimento ilegal, onde o núcleo do tipo é também o verbo é constranger, havendo apenas a variação do complemento verbal (na extorsão é “fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa” e no constrangimento ilegal é “a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda“). Nesses casos, entende-se que havendo constrangimento a um “fazer” e a um “deixar de fazer”, ainda que no mesmo contexto, não se tem crime único, mas concurso de delitos. Especificamente quanto ao crime de extorsão, o STJ tem reconhecido não se tratar de crime de ação múltipla, aplicando a ele a regra do art. 71 do Código Penal em caso de repetição de condutas. Nesse sentido:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. LOTEAMENTO IRREGULAR. EXTORSÃO QUALIFICADA. CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA. ART. 71, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CRIME DO ART. 50, I, C.C. PARÁGRAFO ÚNICO, I, DA LEI 6.766/79. CONTEXTO FÁTICO ÚNICO. VENDA IRREGULAR PARA DIVERSAS FAMÍLIAS. CRIME ÚNICO. EXTORSÃO QUALIFICADA. VÁRIAS VÍTIMAS. EMPREGO DE GRAVE AMEAÇA A PESSOA. APLICAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA. ART. 71, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Configura crime único de loteamento irregular a venda, ainda que para diversas famílias, de lotes da mesma área, ocorrido no mesmo contexto fático.
2. Aplica-se a regra prevista no parágrafo único do art. 71 do CP no caso em que houver pluralidade delitiva de natureza dolosa, bem como ofensa a vítimas diferentes, com emprego de grave ameaça.
3. Recurso parcialmente provido para se reconhecer a aplicação da continuidade delitiva específica à extorsão qualificada, devendo a Corte de origem refazer o quantitativo da pena correspondente.
(REsp 980.463/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 03/08/2009)

Confesso que ainda não tenho opinião formada sobre o assunto. Inicialmente, inclinei-me em acatar a primeira posição (crime único). No entanto, tenho considerado a segunda interpretação (não é caso de crime único porque o tipo do art. 213 do Código Penal não é de ação múltipla) mais adequada porque contorna bem o problema exposto acima (de dar ao autor do crime, após violada a norma pela primeira vez, carta branca para violá-la, impunemente, mais uma vez, praticando a outra conduta descrita no tipo penal) e bem resolve a situação do apenamento desse tipo de conduta, sancionando mais gravemente aquele que infringe o conteúdo da norma por mais de uma vez. No entanto, trata-se de questão que reclama estudo mais acurado e reflexão mais detida.
No entanto, é inegável que a alteração legislativa, propalada como forma de agravamento do tratamento de crimes sexuais pelo Código Penal, abrandou a punição para os delinquentes contumazes ou que repetem suas condutas e ainda acrescentou mais uma matéria de alta indagação a ser colacionada em alegações finais ao extenso rol de teses usualmente trazidas pela defesa.
Resta-nos aguardar para ver como a doutrina e, em especial, a jurisprudência tratarão o tema.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Direito de herança - afinal, quando o cônjuge herda?

Antigamente, o cônjuge (marido/esposa) não era tido como herdeiro, mas apenas como meeiro. Ou seja, quando um falecia o outro não herdava nada. O único direito que tinha era de receber 50% dos bens a título de meação por conta do fim do casamento (isto quando o regime de bens adotado fosse o de comunhão de bens). Após a entrada em vigor do atual Código Civil de 2002, o cônjuge passou a ser também herdeiro, tendo direito a concorrer com os descendentes na herança. No entanto, o artigo do Código Civil que dispõe sobre o assunto é de difícil interpretação. Não é sempre que o cônjuge terá direito à herança, devendo ser observado o regime de bens adotado quando do casamento, bem como se o cônjuge falecido tinha bens particulares ou não. Inúmeros doutrinadores já escreveram sobre o assunto e as opiniões sobre as hipóteses em que o cônjuge será herdeiro são divergentes. Para melhor esclarecer o tema, faz-se necessário estabelecer alguns conceitos e premissas. Primeiramente, façamos a diferenciação entre bens particulares e bens comuns. Entende-se pelos primeiros, aqueles adquiridos pelo cônjuge antes do casamento. Já pelos últimos, entende-se aqueles adquiridos na constância do casamento e que pressupõem os esforços de ambos, marido e mulher, para obtê-los. Também faz-se necessário entender a diferença dos institutos da meação e da herança. Como dito anteriormente, a meação sempre existiu. O cônjuge casado no regime de comunhão de bens sempre teve direito à meação quando ocorresse o fim do casamento. Findo o casamento, seja pela morte de um dos cônjuges ou por qualquer outro motivo, o cônjuge teria direito a 50% dos bens existentes. Se o regime for de comunhão parcial, os 50% incidem apenas sobre os bens comuns. Se for o regime de comunhão universal, é 50% de todos os bens, particulares e comuns. Já no que tange à herança, esta consiste no direito sobre os bens deixados por pessoa falecida. Eis aí a primeira grande diferença: a origem. O direito à herança se justifica pelo fim do casamento; a herança, pela morte. O direito do cônjuge à herança foi inovação trazida pelo atual Código Civil.
O artigo que versa sobre o assunto é o 1.829, inciso I. Façamos aqui a transcrição do texto, com realces para melhor explicar:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares."

O grande problema na interpretação do artigo tem causa no uso do ponto e vírgula utilizado pelo legislador. Por incrível que pareça, uma simples pontuação gerou inúmeras controvérsias que subsistem até hoje.
Mas iremos aqui esclarecer de uma vez por todas, basta analisarmos o referido artigo de forma fragmentada.
A priori, devemos perceber que a regra é que o cônjuge é herdeiro. Como toda regra comporta exceções, passemos a elas. A parte realçada em amarelo nos mostra duas delas que concernem às espécies de regimes de bens que podem ser adotados quando do matrimônio. Deve-se entender, logo de início, que se foi adotado o regime de separação obrigatória de bens (imposto pela lei para casos específicos) ou o de comunhão universal de bens (quando todos os bens, particulares e comuns, são divididos ao fim do casamento), o cônjuge não será herdeiro. Se fossem só essas as exceções não teríamos maiores complicações, mas o ponto e vírgula nos trouxe problemas gramaticais e, consequentemente, de interpretação. O texto escrito após o ponto e vírgula (realçado de azul) estaria dentro das exceções previstas ou não? Vejamos as consequências de cada interpretação:

a) - se entedermos que o texto faz parte da ressalva feita pelo artigo, chegaríamos à conclusão de que a terceira hipótese de não incidência do direito de herança do cônjuge é justamente quando o falecido não deixa bens particulares. Ou seja, no caso de cônjuge casado em regime de comunhão parcial de bens que falecesse sem deixar bens particulaes, o sobrevivente não teria direito à herança, mas somente à meação quanto aos bens comuns deixados. Para melhor elucidar, façamos uma suposição:
"A" e "B" são casados em regime de comunhão parcial de bens e possuem 2 filhos.
"A" falece e deixa apenas bens comuns (adquiridos na constância do casamento).
Por esta primeira teoria, "B" teria direito apenas à meação por conta do fim do casamento. Ou seja, receberia 50% dos bens deixados. Os outros 50% seriam divididos em partes iguais entre os 2 filhos como herança.
b) - por outro lado, se entendermos que o texto não faz parte da ressalva e é uma oração isolada, poderíamos concluir que na hipótese acima citada, o cônjuge teria direito à meação e à herança sobre os bens comuns deixados. Supomos:
"A" e "B" são casados em regime de comunhão parcial de bens e possuem 2 filhos.
"A" falece e deixa apenas bens comuns.
Por esta segunda teoria, "B" seria herdeiro e meeiro ao mesmo tempo. Ou seja, receberia 50% dos bens por conta do fim do casamento e ainda herdaria 1/3 dos outros 50%, pois estes seriam divididos em 3 partes iguais, entre os filhos e o cônjuge, a título de herança.

Embora haja doutrinadores renomados que defendem a segunda teoria, como por exemplo a Ex-Desembargadora Maria Berenice Dias, o que prevalece é o primeiro posicionamento e é o que nos parece mais favorável.
Seguir o entendimento da segunda teoria daria origem a situações extremistas em que o cônjuge receberia, por vezes,  mais da metade dos bens do falecido; e em outras seria totalmente excluído, ficando sem nada.
Entende-se, portanto, que o ponto e vírgula tão discutido separa as hipóteses de exceção previstas após a expressão "salvo" e não constitui uma oração completamente isolada.
O legislador teria evitado tantas divergências se, ao invés de utilizar o ponto e vírgula, tivesse optado por colocar as exceções em parágrafos separados, como por exemplo:

Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente;
[...]
Parágrafo único. - No caso do inciso I, fica ressalvada a hipótese da concorrência entre descendentes e o cônjuge sobrevivente, desde que casado este com o falecido:
I - no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único);
II - no regime da comunhão parcial e o autor da herança não houver deixado bens particulares.

A interpretação ficaria, sem dúvida, mais clara.
De qualquer forma, esclarecemos aqui a interpretação que tem sido aceita pela maior parte da doutrina, bem como na jurisprudência. A conclusão é de que o cônjuge sobrevivente somente será herdeiro quando casado no regime de comunhão parcial de bens e o falecido tiver deixado bens particulares. Para facilitar o entendimento, percebamos o seguinte: a herança e a meação são institutos de origens distintas, por isso não podem incidir sobre os mesmos bens, simultaneamente. Ou seja, se forem deixados apenas bens comuns, não poderá incidir sobre eles a meação e a herança, mas tão somente a meação. Se forem deixados só bens particulares, igualmente não incidirá os dois institutos, mas tão somente a herança. Para os que apreciam a lógica da matemática: a herança está para os bens particulares, assim como a meação está para os bens comuns.
Mas e se o falecido deixar tanto bens particulares quanto bens comuns? Aí sim, o cônjuge será herdeiro e meeiro ao mesmo tempo, mas não sobre os mesmos bens. Herdará parte dos bens particulares e terá direito à meação dos bens comuns. É como o velho ditado popular: "cada macaco no seu galho".  Seguindo essas premissas, fica fácil saber quando o cônjuge sobrevivente terá direito à herança ou não.
Utilizemos, por fim, a mesma situação hipotética apresentada nos exemplos acima, para concluir.
Se naquela situação o falecido deixou:

a) Patrimônio: 100% bens comuns
"B" terá direito a 50% dos bens a título de meação e os filhos dividirão os outros 50%, ficando cada um com 25% dos bens.

b) Patrimônio: 100% bens particulares
Não haverá meação. "B" terá direito à herança, concorrendo com os filhos.

c) Patrimônio: 50% bens comuns e 50% bens particulares
"B" terá direito à metade dos bens comuns (25% da totalidade de bens) a título de meação. E herdará parte dos bens particulares, concorrendo com os filhos.

Essa é a posição predominante.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Direito do Consumidor - declaração anual de quitação de débitos

Foi publicada a Lei 12.007, no dia 30 de julho de 2009, que obriga todas as empresas, sejam prestadoras de serviços públicos ou privados, a emitirem declaração de quitação anual de débitos aos consumidores. A referida declaração deverá compreender os meses de janeiro a dezembro de cada ano. Caso o consumidor não tenha utilizado o serviço em todos os meses do ano, ainda assim terá direito à declaração de quitação referente aos meses em que houve faturamento dos débitos. A lei dispõe ainda que a declaração poderá ser emitida no próprio espaço da fatura do mês subsequente ao ano anterior ou do mês de maio do ano seguinte. A declaração substituirá as quitações mensais do ano a que se refere, para título de comprovação de quitação dos débitos. Assim, ao final de cada ano, o consumidor poderá exigir da empresa que lhe prestou determinado serviço a referida declaração anual de quitação dos débitos e poderá, então, descartar os comprovantes mensais.

domingo, 23 de agosto de 2009

Lei 12.012/2009 - Acrescenta mais um crime no Código Penal Brasileiro

No dia 07 de agosto de 2009, foi publicada a Lei 12.012 que acrescentou ao Código Penal Brasileiro mais um crime. Inserido no capítulo III, que trata dos crimes contra a administração da justiça, o novo tipo penal descreve uma conduta muito conhecida e comentada pela mídia nos dias atuais. Segue abaixo a íntegra do novo artigo do Código Penal.

"Art. 349-A: Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano."

Pergunto: irá surtir efeito ou não passará de mais uma norma simbólica - o grande problema do nosso ordenamento jurídico nos dias atuais?

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Mandado de Segurança - comentários sobre a Lei 12.016/2009

Aos operadores de direito e concurseiros de plantão:

No dia 10 de agosto de 2009, foi publicada a Lei 12.016/09 que dispõe sobre o mandado de segurança individual e coletivo. O referido diploma legal revoga, integralmente, as normas anteriores que versavam sobre o tema, inclusive as Leis 1533/51 e 4348/64. Como toda nova lei, traz consigo inovações louváveis, mas também alguns equívocos do legislador que, com certeza, poderão ser objeto de eventuais ações de controle de constitucionalidade. Dada a importância do tema no meio jurídico, farei aqui breves apontamentos sobre alguns dos pontos mais importantes.

A priori, cumpre-nos reconhecer que a edição da presente lei foi mais que necessária, tendo em vista que o instituto em questão, mandado de segurança, era regulamentado por leis esparsas e muito antigas que não mais se adequavam aos dias atuais. Tal fato dificultava a vida dos operadores de direito, pois via de regra surgiam questões que não estavam expressas legalmente e, por isso, geravam controvérsias e discussões na doutrina e na jurisprudência. Com a entrada em vigor da Lei 12.016/09, muitas dessas questões passam a ficar claramente positivadas.

A primeira importante alteração a ser considerada é quanto à legitimidade passiva, que possui agora um rol mais amplo que o previsto pelo artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal. O artigo 1º da lei equiparou à autoridade coatora, de forma inovadora, os representantes ou órgãos de partidos políticos, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou naturais no exercício de atribuições do poder público. Ou seja, a partir de agora, os diregentes de pessoa jurídica que exerça atividades públicas e que, de alguma forma, cometerem abuso de autoridade no exercício de suas funções, poderão ser sujeitos passivos em mandado de segurança. Igualmente o será a pessoa física que exerça atividade pública.

A segunda grande e louvável alteração é quanto ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão de juiz de primeiro grau que denegue ou conceda liminar (art. 7º, par. 1º). Antes da entrada em vigor da Lei 12.016/09, havia jurisprudência no sentido do não cabimento de agravo contra a decisão denegatória de liminar pelo juiz de primeiro grau. Tratava-se de entendimento arcaico e que feria mortalmente o princípio do devido processo legal.

Mais uma novidade é a que diz respeito ao prazo estipulado para a prolação de sentença pelo juiz. Nos dispositivos anteriores, o prazo era de 5 dias. Por ser exíguo, o prazo há muito não era respeitado e a norma caiu em desuso. Na nova lei, o prazo é de 30 dias, o qual consideramos ser mais razoável diante da atual situação forense e da quantidade exorbitante de demandas.

Também há que se aplaudir a inovação que a lei traz, em seu art. 25: a vedação de condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Digo isso, pois o mandado de segurança, por ser remédio constitucional, deve gozar de amplo acesso pelos cidadãos. A condenação ao pagamento de honorários era, sem dúvida, um limite a esse acesso.

A lei também inovou ao regulamentar o mandado de segurança coletivo, anteriormente órfão de regulamentação própria. Aplicava-se de forma análoga os dispositivos já existentes, como a Lei 1533/51 e o Código de Processo Civil. No entanto, neste aspecto, o legislador cometeu seus pecados. Além de não ter aproveitado a oportunidade para elaborar uma regulamentação detalhada, ainda cometeu erros que reputamos lastimáveis. A exemplo disso, ressalta-se o fato de que o legislador restringiu o alcance do mandado de segurança coletivo aos direitos coletivos e direitos individuais homogênios, excluindo os direitos difusos. Ora, em respeito à interpretação sistemática do texto constitucional e ao fato de que a Constituição Federal não veda essa possibilidade, a doutrina sempre entendeu ser o mandado de segurança coletivo cabível quanto à lesão ou ameaça a direitos difusos.

No que tange a outros pontos negativos da nova lei, cito também o fato de o legislador ter condicionado a concessão de liminar à exigência de "caução, finaça ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica" (art. 7º, inciso III da nova lei). Em particular opinião, este foi o pior equívoco do legislador, posto violar princípios constitucionais como por exemplo o devido processo legal. Ora, quando alguém se utiliza do mandado de segurança, presume-se que teve um direito líquido e certo seu violado por ato de abuso de autoridade. A Constituição Federal é expressa no sentido de que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Na medida em que o legislador impede que se conceda liminar sem que haja a prévia prestação de caução, fere-se de morte o princípio constitucional expresso. Isto porque o titular do direito ameaçado ou lesado por conta de ato de abuso de autoridade ainda terá que prestar caução para ver seu pedido de liminar deferido. Entende-se ser o referido dispositivo da lei inconstitucional.
Além disso, o legislador manteve o rol de hipóteses de não cabimento do mandado de segurança, quais sejam: a)ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo; b)decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; e c)decisão judicial transitada em julgado. Embora seja pequeno o rol, entende-se que se a Constituição Federal não fez nenhuma limitação ao cabimento do mandado de segurança, logo, não competiria ao legislador infraconstitucional fazê-lo. Devo ressaltar, no entanto, que foi retirado desse rol, a hipótese anteriormente prevista relativa ao ato disciplinar. O que é de se considerar um ponto positivo.

Termino assim, minhas breves considerações acerca da nova lei que regulamenta o mandado de segurança. Obviamente, o tema não foi exaurido, pois apenas abordei os pontos que considero principais. A nova lei merece estudos mais aprofundados.

Direito do Consumidor - tarifas bancárias

O CMN - Conselho Monetário Nacional - e o Banco Central editaram regulamentação sobre tarifas bancárias (Resolução nº 3518 e Circular nº 3371) que entraram em vigor em 30 de abril de 2008. Tal regulamentação trouxe algumas mudanças fundamentais e muito bem-vindas, dentre as quais se destacam a proibição de cobrança de tarifa por cheque de baixo valor, assim como a proibição de cobrança de tarifa por cheque compensado. Tais vedações, bem como a inclusão dos DOCs em alguns pacotes, deram origem a uma queda nos preços cobrados por alguns Bancos. No entanto, os consumidores devem ficar sempre atentos, pois algumas instituições financeiras, na tentativa de compensar essa queda nos lucros, passaram a aumentar o valor de outras tarifas cobradas de forma avulsa. Desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, em 1991, os Bancos são obrigados a informar seus clientes de forma expressa sobre os valores das tarifas cobradas, porém, vê-se comumente que eles se esquivam de tal obrigação. Não obstante isso, é entendimento pacífico nos tribunais que os Bancos se submetem às normas do Código de Defesa do Consumidor, sendo, portanto, um direito deste receber informações sobre os valores cobrados pelos serviços bancários de forma clara. Para auxiliar os consumidores neste sentido, o IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - divulgou uma tabela contendo comparação entre os valores das tarifas cobradas por serviços prioritários de alguns dos maiores Bancos. A referida tabela contém as tarifas vigentes desde 01/12/2008.

ADPF 54 - "Aborto" de fetos anencéfalos

Abro espaço, aqui, para os queridos colegas de profissão que escrevem sobre temas tão importantes e atuais, como é o caso do julgamento da ADPF 54 pelo Supremo Tribunal Federal. Segue, abaixo, artigo escrito pela advogada Taiana Alves Monteiro, amiga e colega de profissão, que brilhantemente escreveu sobre o tema. O presente artigo foi publicado por duas grandes Revistas Jurídicas, Consulex e Justilex, bem como pelo site Consultor Jurídico. Com a autorização da autora, divulgo aqui para que todos tenham acesso.


ADPF 54

por TAIANA ALVES MONTEIRO*


Questão que se encontra em voga atualmente é a que diz respeito aos anencéfalos. Ao que tudo indica a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 será julgada ainda nesse ano, eis que já foram realizadas três audiências públicas, havendo mais uma a ser realizada no dia 16 de setembro de 2008. Não há um conceito definido para o que seja preceito fundamental. No entanto, o Supremo Tribunal Federal construiu uma definição, afirmando que são preceitos fundamentais dois elementos da Constituição, quais sejam, as cláusulas pétreas e direitos e garantias individuais.

O advogado Luís Roberto Barroso interpôs a ADPF 54 com pedido cautelar no dia 16 de junho de 2004. No dia 1º de julho de 2004 foi concedida a liminar, pelo ministro Marco Aurélio, permitindo que as gestantes realizassem a antecipação terapêutica de parto, no entanto a decisão foi cassada no dia 20 de outubro de 2004. O fumus boni iuris dessa liminar foi fundamentado no fato de a violação dos preceitos fundamentais ser ostensiva, caso as normas penais sejam interpretadas como impeditivas da antecipação terapêutica do parto de feto anencéfalo. Já o periculum in mora foi fundamentado no fato de haver em todo o país uma miríade de ações judiciais em que gestantes buscam autorização judicial para submeterem-se à antecipação terapêutica de parto de fetos anencéfalos (vide nota de rodapé 1).

A ADPF 54 é autônoma. No que tange à sua legitimação ativa temos por satisfeito o pressuposto, pois a mesma foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), se encontrando disposta no inciso IX do artigo 103 da Constituição Federal.

O ato do poder público rechaçado pela ADPF 54 consiste no conjunto normativo extraído dos artigos 124, 126, caput, e artigo 128, incisos I e II do Código Penal, ou mais precisamente, na interpretação inadequada que se tem dado a tais dispositivos em inúmeras decisões.

Em se tratando do princípio da subsidiariedade, temos que não há outro meio cabível para tal caso. O Código Penal, materializado no Decreto-lei 2.848/40 é um diploma pré-constitucional, daí porque não ser cabível Ação Direta de Inconstitucionalidade. Também não é hipótese de Ação Declaratória de Constitucionalidade nem de qualquer outro processo objetivo.

O pedido principal da ADPF 54 é que seja realizada a interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do Código Penal, declarando inconstitucional, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a interpretação de tais dispositivos como impeditivos da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez anencefálica, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal procedimento sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.

Não obstante ainda não ter sido julgado o mérito da ADPF 54, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal já se manifestaram a respeito da mesma em sede de questão de ordem em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

O ministro Joaquim Barbosa em seu voto conheceu a ADPF 54. Sustentou que os pedidos de autorização negados criam incerteza, insegurança jurídica, o que é inadmissível em um domínio em que o ordenamento jurídico deve oferecer a mais sólida e segura proteção ao cidadão. Esse fato, unicamente, já demonstra a relevância da controvérsia constitucional a que a ADPF se prestaria a dar solução rápida. E ainda afirma que essa ação constitucional deve ser vista como meio de ampliação da ação protetiva dos direitos fundamentais, que é o objetivo essencial da jurisdição constitucional (vide nota de rodapé 2).

O ministro Gilmar Mendes também votou pelo cabimento da ADPF 54 e ponderou o seguinte:

O tribunal poderá conhecer da argüição de descumprimento toda vez que o princípio da segurança jurídica restar seriamente ameaçado, especialmente em razão de conflitos de interpretação ou de incongruências hermenêuticas causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional [...] Não há, portanto como negar a possibilidade via ADPF, aferir-se a legitimidade ou não da interrupção da gravidez em semelhantes casos.

Ora, conforme tudo que foi visto até agora, podemos afirmar com total veemência que a ADPF é meio idôneo para se buscar a autorização da interrupção da gestação de fetos anencéfalos, tendo em vista que o que se encontra nesse caso é um conflito de interpretação, no qual se busca a interpretação conforme a Constituição Federal dos artigos 124, 126 e artigo 128, incisos I e II do Código Penal.

Outro voto também a favor da procedibilidade da ADPF 54 foi o do ministro Carlos Britto. Afirmou que a interpretação conforme a Constituição é uma forma particular de investigar a constitucionalidade dos atos do poder público. E que essa interpretação serve meramente para desconsiderar a incidência de certa compreensão que se possa retirar do dispositivo infraconstitucional (vide nota de rodapé 3). No caso em tela pretende-se que seja desconsiderada a interpretação do Código Penal para punir a gestante que interrompa a gravidez de feto anencéfalo.

Com o intuito de abrilhantar essa discussão cumpre-nos trazer à baila também os argumentos contrários à ADPF 54.

Primeiramente cabe falarmos do parecer do ilustre procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que se manifesta pela impropriedade do uso da ADPF para efeito de obtenção de interpretação conforme a Constituição, argumentando em síntese que tal utilização configuraria usurpação de função do Poder Legislativo. Entende não ser cabível a ADPF pelo fato de não ser caso de aplicabilidade dessa técnica de controle de constitucionalidade, eis que os dispositivos penais em questionamento pela parte autora não ensejam mais de uma interpretação lógica. Sustenta ainda não ser cabível a interpretação dos dispositivos do Código Penal face à primazia jurídica do direito à vida (vide nota de rodapé 4).

Temos também como voto contrário à ADPF 54 o da ministra Ellen Gracie que entende que com a procedência da referida ADPF, o tribunal atuaria como legislador positivo, criando uma nova hipótese de excludente de ilicitude da prática de aborto. Sustenta que tal questão deve ser resolvida no Congresso Nacional e não no Judiciário (vide nota de rodapé 5).

O ministro Carlos Velloso também se manifestou contra o cabimento da ADPF 54. Entendeu que o Supremo Tribunal Federal estaria inovando no mundo jurídico mediante interpretação, estaria criando mais um modo de exclusão do crime de aborto, o que não seria possível em sede de interpretação conforme a Constituição (vide nota de rodapé 6).

Como já foi dito anteriormente, ainda não foi julgado o mérito da ADPF 54. Entendemos que apesar disso o seu objeto não se perdeu, pois o que levou à sua interposição foi uma interpretação constitucional, conforme os princípios constitucionais, os quais constituem normas abstratas. A ADPF não pode ser baseada em um caso concreto, visto que é um processo objetivo e visa à defesa dos interesses da sociedade. Caso assim pudesse ser fundamentada, poder-se-ia falar em perda de objeto.

Diante tudo o que foi exposto, ficamos com o entendimento de que a ADPF é meio idôneo para se obter a autorização da antecipação terapêutica de parto de fetos anencéfalos. Baseando-se nos requisitos da ADPF, entendemos ser perfeitamente possível o seu cabimento no caso em tela. O Supremo Tribunal Federal julgando procedente a ADPF 54 não estará agindo positivamente e sim negativamente, visto que não criará lei alguma, apenas declarará a inconstitucionalidade da interpretação dos dispositivos do Código Penal já citados anteriormente para punição da gestante que interromper a gravidez de feto anencéfalo e declarará também a interpretação de tais dispositivos conforme a Constituição Federal.

O que se espera da ADPF 54 é somente que os ministros julguem procedente para que haja essa interpretação e não que criem mais uma excludente de punibilidade para o crime de aborto, até porque, a antecipação terapêutica de parto não configura um aborto.

Vale registrar aqui que é necessário agir com bom senso e levar em consideração os sofrimentos pelos quais as mulheres passam. Com as mudanças na jurisprudência e na doutrina no sentido de reconhecer que os direitos da gestante estão violados e que merecem a autorização, permitindo a interrupção da gestação anencefálica, tem-se um grande avanço. Isso facilita com que a ADPF 54 seja julgada procedente e motiva uma mudança na legislação infraconstitucional.

Resta-nos ressaltar que por sete a quatro, os ministros resolveram dar continuidade à tramitação da ADPF 54, para posterior decisão em relação à legalidade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Os ministros favoráveis à admissibilidade da ADPF 54 foram: Marco Aurélio (relator), Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim (presidente). Foram contrários, negando seguimento à ação, os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso. Conforme afirmado anteriormente, essa ação está prestes a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal.

Notas de rodapé

1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Petição Inicial da ADPF nº 54, p. 22. Disponível em: . Acesso em 29/01/2007.

2. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa na questão da ADPF sobre anencefalia. Disponível em: . Acesso em: 13/03/2007.

3. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Trecho do voto do Ministro Ayres Britto na questão de ordem da ADPF sobre anencefalia. Disponível em: . Acesso em: 13/03/2007.

4. FONTELES, Cláudio. Parecer nº 3358/CF. Disponível em: . Acesso em: 08/02/2007.

5. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Trecho do voto da Ministra Ellen Gracie na ação sobre anencefalia. Disponível em: . Acesso em: 13/03/2007.

6. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Trecho do voto do Ministro Carlos Mário Velloso na ADPF sobre anencefalia. Disponível em: . Acesso em: 13/03/2007.

*Advogada, pós-graduada em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal, pós-graduando em Direito Público pela LFG, atuante como advogada instrutora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Código de Defesa do Consumidor sob a ótica do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

Dica aos estudantes de direito, advogados e concurseiros.

Todos nós sabemos a importância de se conhecer a lei. Mas também é necessário o conhecimento do que diz a jurisprudência. É essencial, para nós, operadores do direito, sabermos como os tribunais têm interpretado e aplicado a lei aos casos concretos. É igualmente essencial esse conhecimento para os concurseiros de plantão. Eu, na postura de advogada e concurseira, passo a dica a todos vocês, leitores. No site do TJDFT, vocês podem ter acesso ao Código de Defesa do Consumidor anotado, artigo por artigo, conforme a jurisprudência mais atual do referido tribunal. É a junção do que precisamos: lei e jurisprudência. Não poderia ter nada melhor, não é mesmo?
Façam ótimo proveito!

Direito do Consumidor: cobrança de ponto extra pelas prestadoras de TV por assinatura

Quem nunca ligou para o SAC de uma TV por assinatura para solicitar a instalação de um ponto extra e recebeu a informação de que seria cobrado um valor mensal por tal serviço? Ora, mas isso não é proibido? A questão é de fácil entendimento. A ANATEL, agência reguladora responsável pela fiscalização das empresas prestadoras de serviços públicos de telefonia e telecomunicações, editou há tempos atrás uma resolução que impedia as empresas de TV por assinatura de cobrarem mensalidade pela utilização de ponto extra, por entender ser tal serviço um direito do consumidor. No entanto, a ABTA - Associação Brasileira de Televisão por Assintura - questionou perante o Poder Judiciário alguns artigos da referida resolução e teve concedida uma liminar que autorizava a cobrança da mensalidade por ponto extra até que a ANATEL esclarecesse o que fora questionado. Mas uma boa notícia aos consumidores é que no dia 12 de agosto de 2009, o juiz federal substituto da 14ª Vara Federal do Distrito Federal, Drº Roberto Luis Kuchi Demo, revogou tal liminar e a nova regulamentação da ANATEL, instituída pela Resolução nº 528, publicada no Diário Oficial de 22 de abril, passará a valer em sua integralidade a partir do momento em que a referida decisão judicial por publicada na imprensa oficial. A publicação da decisão já está em andamento e a partir do momento que for realizada, as empresas prestadoras de TV por assinatura não mais poderão cobrar mensalidade pelo serviço de ponto extra. Ressalta-se que a decisão não impede que seja cobrada taxa para a instalação do equipamento de ponto, nem para eventuais consertos e reparos técnicos. O que será proibida é a cobrança de mensalidade pela utilização do serviço, o que é, sem dúvida, uma vitória para nós, consumidores.
Caso queira ter acesso ao conteúdo da decisão judicial, acesse o link abaixo:
ou faça uma busca pelo número do processo ( 2008.34.00.017413-3) no site do TRF 1ª Região:

Multas de trânsito

Caros colegas,

nem todos sabem, mas algumas multas por infração de trânsito podem ser substituídas por simples advertência. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503/97) prevê a possibilidade de a autoridade de trânsito aplicar pena de advertência por escrito ao invés de multa quando a infração cometida for considerada leve ou média e o infrator não tiver cometido a mesma infração nos últimos 12 meses. Desta forma, se a pessoa cometeu uma infração considerada média e apenada com multa, como por exemplo, a prevista no art. 181, inciso I do CTB:
Estacionar o veículo nas esquinas e a menos de 5 metros do bordo do alinhamento da via transversal.
Infração - média
Penalidade - multa
Medida administrativa - remoção do veículo
Neste caso, se o infrator não tiver cometido a mesma infração nos útlimos 12 meses, pode-se requerer administrativamente, perante o próprio Detran do estado, a conversão da pena de multa em advertência, utilizando como fundamento o disposto no artigo 267 do CTB. Assim, o infrator terá a perda de pontos na carteira de habilitação e receberá a advertência por escrito, mas não terá que pagar a multa.
Mas esperem! Para os espertinhos de plantão, vale lembrar que as leis existem para serem cumpridas. Essa possibilidade de conversão da pena de multa em advertência é excepcional. Como as penalidades por infração de trânsito têm finalidade educativa, a autoridade, diante do requerimento do infrator, irá analisar se ele atende aos requisitos exigidos pela lei e se a advertência é pena suficiente para atender esse fim. Ou seja, não adianta querer se utilizar dessa previsão legal para sair por aí cometendo infrações de trânsito, pois, a lei exige requisitos específicos para a conversão. E, além disso, analisando o caso específico, a autoridade pode entender que a advertência não é penalidade suficiente para educar o infrator e negar o pedido de conversão. Obviamente, tal indeferimento do pedido deferá ser fundamento.

Constituição Federal sob a ótica do Supremo Tribunal Federal

Como boas sugestões nunca são demais, eis mais uma:

O site do Supremo Tribunal Federal disponibiliza o texto da Constituição Federal de 1988 interpretado conforme a mais atual jurisprudência da Corte. É a Constituição Federal sob a visão do STF. Leitura obrigatória para todos os operadores do direito, concurseiros e também para todos aqueles que tenham interesse em conhecer a fundo o texto da nossa Constituição e saber como os direitos e garantias fundamentais ali previstos vêm sendo interpretados e aplicados pela Suprema Corte.
Acessem: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp

Aproveitem!

Pensão alimentícia: prisão civil do devedor e responsabilização dos avós

Bem se sabe que a responsabilidade sobre os filhos é conferida tanto ao pai quanto à mãe. Assim, o dever de alimentar também é de ambos, devendo os pais se empenharem conjuntamente em prestar aos filhos as necessidades básicas necessárias ao seu sustento, mesmo que divorciados ou separados. Sempre que for necessário ingressar com uma ação judicial para se cobrar pensão alimentícia, o juiz irá verificar as necessidades dos filhos, bem como as possibilidades financeiras daquele que deverá arcar com o pagamento, para só então determinar um valor justo a título de pensão. Ocorre que muitas vezes, mesmo após a decisão judical, a parte que deveria pagar os alimentos deixa de cumprir com a referida obrigação. Neste caso, a Lei de Alimentos (Lei nº 5478/68) traz em seu texto algumas medidas a serem tomadas. No caso de descumprimento da decisão judicial que determinou o pagamento de alimentos por uma pessoa, aquele que tiver interesse poderá requerer ao Poder Judiciário a execução da decisão. No bojo do processo de execução serão cobradas do devedor as parcelas de pensão alimentícia devidas e o juiz poderá tomar todas as medidas que julgar necessárias para garantir o cumprimento da obrigação, como por exemplo a penhora de bens do devedor. Além desta medida, ainda será possível, em determinados casos, que o juiz decrete a prisão civil do devedor pelo prazo máximo de 60 dias. Importante dizer que essa medida é excepcional e somente será cabível quando a falta de pagamento se der sem nenhuma justificativa, ou seja, quando o devedor tiver condições de efetuar o pagamento, mas simplesmente não o faz. Além desse requisito, a jurisprudência pacificou o entendimento de que somente será cabível a decretação de prisão do devedor de alimentos, quando o mesmo tiver deixado de pagar 3 ou mais parcelas consecutivas da pensão. Ou seja, se o devedor não pagou a pensão alimentícia por três meses consecutivos, de forma injustificada, o juiz poderá decretar sua prisão. Ressalta-se que a prisão não exime o devedor do pagamento, ao contrário, é uma medida que a lei prevê para forçar o devedor a cumprir com a obrigação. Por outro lado, se o devedor consegue comprovar que não possui condições de pagar a pensão alimentícia, seja por estar desempregado, ou qualquer outra justificativa plausível, a lei prevê a possibilidade de responsabilização subsidiária dos avós (arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil). Assim, se aquele que deveria arcar com os alimentos não tem condições de fazê-lo, pode-se requerer que a obrigação se estenda aos avós. Também pode haver essa responsabilização se o responsável pelo pagamento da pensão somente puder arcar com determinado valor que não é o suficiente para o sustento dos filhos. Neste caso, os avós podem ser chamados para complementar a pensão de forma a suprir as necessidades básicas das crianças. A razão desta possibilidade se baseia no fato de que as pessoas ligadas por vínculo de parentesco devem se responsabilizar pelo sustento umas das outras em determinadas situações, ou seja, se uma não tem condições de se manter por si só e pelo seu próprio trabalho, cabe à outra prestar a assistência necessária quando requerido. Assim, se o pai ou a mãe não tem condições para arcar com a pensão alimentícia, pode-se decretar a responsabilidade dos avós.
Por fim, ressalto o que foi dito anteriormente: a obrigação de sustentar os filhos é de ambos os genitores - pai e mãe. Não se pode, portanto, deixar que apenas um deles seja responsabilizado, devendo cada um contribuir na devida proporção de seus recursos financeiros.